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Arte Eletiva e Elitista.

Writer's picture: Daisa TJDaisa TJ

Updated: Feb 18, 2021

Canta a tua aldeia e serás universal, pois não existe universalidade maior” Leon Tolstói.


Segundo Tolstói a boa arte é compreendida por todos, em uma visão de arte mais simples que converse de forma universal com o público.


Tolstói traz questionamentos críticos que ainda são muito atuais, mesmo que o seu livro 'O que é arte?' seja de 1898. Lembrando que as indagações levantadas por ele refletem o contexto histórico e que nessa época a fotografia ainda era uma tecnologia bastante recente e o cinema acabava de ser criado em torno de 1895. Então as questões trazidas pelo escritor são referentes a pintura, teatro, ópera, escultura. E parte de um homem branco cisgênero russo.


Acredito que o primeiro questionamento em que me identifico é perguntar: pra quem é essa arte? Afinal se uma obra é feita, seja o meio que for, é para ser vista. Então, quem vai ver?

E aí entramos no quesito elitista da arte. Toda a estrutura de um teatro, de uma ópera ou galerias de arte acabam sendo ambientes seletivos para uma parcela bem pequena da população.





Lendo nos tempos atuais, a arte se tornou algo mais acessível, estudamos e sabemos sobre grandes nomes, sabemos como é a cara da Mona Lisa. Inclusive os meios de produção artísticos são mais possíveis de alcançar, por uma classe média. Pois nos enganamos em achar que gastar facilmente 500 reais em material de pintura é algo simples para qualquer pessoa, ou material de escultura, xilogravura ou fotografia.

Para além de material é preciso de muita prática, estudo, tentativa e erro, antes mesmo de um artista encontrar a sua forma autoral de expressão. Acima de tudo isso exige tempo.


A arte é excludente tanto para quem a produz quanto para quem a consome. E o sentido de consumir não se restringe ao comprar, mas ao compreender.


Para Tolstói a arte acaba sendo um meio de comunhão entre as pessoas, quando a representação do artista se conecta em algum grau com o espectador, gerando uma conexão entre ambos. Porém, quando a arte é feita apenas a partir de premissas estéticas pensando em um público alvo de classe média alta que tenha poder aquisitivo para (agora sim) comprar a peça, ou o ingresso, a realidade representada é excludente. Afinal pessoas daquele meio criam, pessoas daquele meio compram, pessoas daquele meio entendem a finesse.


Você por acaso já não sentiu esse abismo entre você e uma obra? De olhar um quadro e simplesmente ser incapaz de entender o valor intrínseco nele aplicado? É neste ponto que muitas pessoas acabam por não se relacionar com obras de galerias e exposições e se afastarem ainda mais desse mundo artístico, pois falta esse reconhecimento entre artista e público de massa.


Ainda seguindo a linha de raciocínio de Leon existiriam duas grandes vertentes de pensar a arte: como belo, prazeroso; como bom, eterno e universal. Na história da arte moderna as predileções por técnica e estética teriam então tornado a arte vazia, criadas a partir de vivências da classe alta, do ócio e dos prazeres dos quais essa classe dominante desfruta(va).


O espectador de 1900 não se via representado, não via aquilo como um mundo real nem se relacionava com tal obra para além da beleza. Caso ele tivesse a possibilidade de chegar a admirar essas obras, os sentimentos despertados dificilmente seriam os intencionados pelo artista, pois as obras seriam pensadas para um público que não esse trabalhador, logo não haveria a conexão.


Voltando a atualidade, isso pode ser lido para além da marginalidade das realidades paralelas à burguesia. Questões de gênero e raça foram ganhando força apenas décadas depois. Questões de sexualidade e identidade sexual ainda são pautas bastante recentes. Se Tolstói se preocupava com a inserção do homem trabalhador assalariado no meio artístico, ainda lutamos hoje (mais de 100 anos depois) para a inserção de mulheres, de negros e indígenas, de pessoas trans. De toda uma uma minoria em representatividade e voz.


Para o autor russo, a arte teria perdido sua essência universal para ser artificial e técnica e muitas vezes rebuscada propositalmente para que seja compreendida apenas para essa pequena parcela 'instruída e estudada'. Ele critica que obras literárias poderiam facilmente ter uma linguagem mais simples e assim chegar a mais pessoas.


Aqui cabe voltar a frase inicial “Canta a tua aldeia e serás universal, pois não existe universalidade maior”. O que acredito que Tolstói sugeriu é que o artista traga a sua individualidade em expressão artística, não o individualismo. A individualidade gera identificação, pois somos todos indivíduos únicos em sociedade e expressar algo genuíno pode causar essa conexão. Enquanto o individualismo confere uma mensagem egocêntrica para si e com seus 'semelhantes'.


Então as Belas Artes são eletivas pois eles elegem quem pode criar essa conexão ou mesmo trazer de classes inferiores, e elitista, afinal os que tem poder de escolha são a elite, a burguesia.


Para finalizar deixo uma reflexão. Durante toda a minha graduação de Cinema, 4 anos, eu posso contar nos dedos de uma mão quantas pessoas negras eu vi estudando na minha e/ou outros semestres. E quando tinham eram pessoas com poder aquisitivo alto, que tinham alguma segurança familiar para se aventurar nessa jornada artística, pessoas que teriam tempo e meios de desenvolver as habilidades que o mercado exige.



Tolstói, Leon. "O que é Arte?", 1989. Nova Fronteira (português); 2ª edição,2016.

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