top of page

Resenha do capítulo “O Cinema Experimental” de André Parente

Segundo André Parente, no cinema existem duas realidades vistas pelos teóricos do experimental, o cinema experimental e o outro. Tal bipartição não se dá com base em processos fílmicos, já que esta é em suma sobre oposições. Sejam elas: cinema comercial/cinema criativo; industrial/pessoal; de narrativa/ da imagem; etc. André afirma ainda que o cinema experimental não possui uma unidade fixa, apenas tendências. Somente uma delas pode ser classificada como não-narrativa, o “cine-olho” (“acinema”), abordada no decorrer do capítulo. Este sendo a primeira tendência do experimental na concepção dele, para o qual usa o termo “cinema-matéria”.


Nenhum crítico do cinema experimental dá uma resposta satisfatória sobre qual a especificidade fílmica do experimental. Suas críticas além de repletas de lacunas se restringem a oposições e negações. A principal oposição que diferenciaria o experimental do outro é: Imagem/Narração. Porém, como explicado em capítulos anteriores de Narrativas e Modernidade: os cinemas não-narrativos do pós-guerra, “A maioria dos processos fílmicos, é a um só tempo, imagético e narrativo” (André Parente, p. 88).


Para ele, um dos melhores livros sobre cinema experimental é “Le cinema experimental: histories et perspectives”, de Jean Mitry. Mesmo que admita que este livro contenha diversas falhas, o motivo de considerá-lo um bom objeto de estudos é a abordagem do tema, a qual privilegia a análise dos processos fílmicos. Mitry é criticado por dar um significado muito abrangente para a palavra experimental, para ele “todo filme é experimental quando contribui para o aperfeiçoamento, o avanço ou para a renovação do cinema e de sua linguagem” (p. 88).


O termo “cinema experimental” não tem um conceito bem definido. É empregado para intitular filmes (não comerciais), produção e difusão de filmes (independentes), categorizar movimentos cinematográficos (como a vanguarda francesa de 20). Essa imprecisão do que é o cinema experimental afeta diretamente ao definir quando começou tal movimento, pois pode ser usado indicando um momento histórico sem qualquer preocupação conceitual. Para alguns foi nos anos 40 ou 50 nos Estados Unidos (vanguarda americana), para outros a vanguarda francesa dos anos 20, outros atribuem o início do experimental com Meliès e Lumière.


Desde que o filme seja classificado experimental (seja qual for o motivo), tem por si só excelência entre seus especialistas. Porém qualquer filme não-experimental é considerado ruim pelos críticos do mesmo. Segundo André é possível encontrar com frequência especialistas experimentais julgando o neo-realismo e a nouvelle vague, assim como grandes autores como Orson Welles, Godard. Exemplificando o julgamento de um crítico, André cita palavras de Jonas Mekas, onde este condena filmes pelo fato de terem rodado em Hollywood, e atribui o fracasso de Pasolini e de Robbe-Grillet a eles não terem se atrevido a ultrapassar das práticas da nouvelle vague.


Parente faz duas observações sobre o cinema experimental. A primeira se refere às condições de produção e de distribuição. Não nega que há diferença entre cinema comercial e criativo, mas que mesmo que alto “o orçamento de um filme não se opõe a sua criatividade” (André Parente, p. 90). A maioria dos filmes experimentais pode ser comparada a curtas-metragens considerando as condições de produção e de divulgação. Nestes dois aspectos levantados, os filmes de “terceiro mundo” têm tanta dificuldade quanto os experimentais americanos e europeus. A segunda observação se refere aos termos “conceituais” que rondam o experimental. Alguns deles (como “abstrato”) desapareceram por se sobreporem a poucos filmes e serem apenas qualidades secundárias da obra. Outros deixaram de ser usados, pois se aplicam ao cinema não-experimental. E existem alguns que já não tem tanto significado como outrora, como “cinema de vanguarda”. Sobrando apenas o termo “não-narrativo”, este não significa em totalidade o cinema experimental, mas sim uma pequena parte.


Ao afirmar que “o experimental não tem unidade”, o autor busca fundamentos mencionando algumas teorias, assentindo ou não com elas. Começando pela oposição de cinema narrativo x cinema não-narrativo (representados por N/N-N). Segundo Noguez, o filme é experimental quando não se importa tanto com o sentido que carrega, mas sim com aparência sensível e a estrutura da obra. Portanto o cinema narrativo, sendo o contrário do não-narrativo, privilegia a comunicação e o sentido. Essa oposição é reforçada, pois para Noguez (e outros teóricos), a comunicação cinematográfica se confunde com a comunicação linguística, que para eles se opõe às funções sensíveis. Logo para os críticos que aceitam essa teoria, “todo o experimental não passa de uma subversão, uma negação das regras comunicativas, linguísticas, e nada mais” (André Parente, p. 92). Argumento este que André considera não suficiente para separar o experimental do outro, afinal todo filme usa de elementos formais e sensíveis, a diferença está no formato narrativo do filme. Mesmo o cinema hollywoodiano (leia-se como clássico que transborda sentido e comunicação), tem seus exemplos de filmes que apresentam semelhança com o surrealismo e o dadaísmo, como filmes dos autores Buster Keaton e Marc Sennet do gênero burlesco.


Claudine Eizykman apresenta dualismos interessantes, no livro La jouissance-cinéma. Oposições mais profundas como: os processos secundários x os processos primários; o energético casual x o energético psíquico. Claudine nomeia narrativo-representativo-industrial (NRI), o com partido da dualidade em que o cinema secreta significação, no qual se trabalha a energética casual e processos secundários. Enquanto no cinema sensível (experimental) o foco está nos processos primários e utiliza da energética psíquica, o qual Claudine emprega a psicanálise para explicar a diferenciação entre os cinemas. O que não é válido para André, afinal o regime de imagens do “cinema-matéria” seria cósmico antes de psíquico, pois ele é feito sob outro ponto de vista que não a lógica do pensamento humano, e sim anterior à consciência.


André divide (em subtítulos dentro do capítulo) o cinema experimental em três tendências. A primeira tendência é o “cinema-matéria” (“cine-olho”, “acinema”), uma inovação na concepção de montagem que “implica no ultrapassamento do olho humano rumo a um olho não humano” (André Parente, p. 94). Tem como propósito internalizar percepção aos objetos, não importando onde ou quando, o objeto sofre ações e reage, sem limites de fronteiras ou distância. O cineasta Brakhage ilustra em palavras a essência do “cine-olho” de uma forma simples e completa.


Imaginem um olho que não seja governado por leis da perspectiva fabricada pelo homem, um olho que não se preocupa com a lógica da composição, um olho que não responde instintivamente a cada nome, mas que deve reconhecer cada objeto na vida ou através de uma aventura ou percepção. (Apud Sitney 1976, p. 21)


Os filmes de Brakhage são similares aos de Kubella e Snow, porém diversos outros diretores (como Belson, Conrad, Sharits, Gehr, Jacobs, Landow) tem sua forma de criar a primeira tendência. Em todos os casos na busca da “universal variação de imagens”.


A segunda tendência abordada por André Parente é o “Cinema subjetivo”, também conhecido por “filme de transe”, “filme onírico” ou “fantasmagórico”. Este se fundamenta no cinema que surgiu com os expressionistas, a vanguarda francesa de 20 e também com o cinema underground. Sua tendência é puramente caracterizada pelo cinema dos “ismos” (futurismo, expressionismo, surrealismo, etc.). Tratava-se de romper com os limites do realismo americano que se focava na imagem-ação, mas mais que isso buscar uma forma de ilustrar conscientemente formas de pensamentos inconscientes.


O autor questiona o motivo de filmes produzidos nos Estados Unidos serem considerados experimentais desta segunda tendência (como por exemplo: The last moment de Paul Florey, The fall of the house of Usher de Webber e Watson) e filmes europeus lançados anteriormente (e mais interessantes) não serem considerados parte do cinema experimental. P.A. Sidney intitulou um dos seus capítulos de Visionary Film “Do transe ao mito” que abrange desde O gabinete do Dr. Caligari, filmes de Deren, Meken, Anger, chegando à Le sang d’um poete, até filmes experimentais expressionistas realizados em Hollywood (dos diretores Fejos, Webber, Watson, Weinberger).


Nesta tendência de “cinema subjetivo” a tendência é que o plano de imanência passe para um plano de especificação de imagens, nela encontra-se a variação entre a imagem do homem e da situação. As imagens-movimento se especificam em um tipo de imagem mais próximo a percepção sendo relacionada diretamente ao esquema sensório motor. O esquema sensório motor comumente encontra-se (ou fica em algum momento da narrativa) suspenso, podendo ser em uma “situação-limite” como uma patologia psíquica, experiência quase morte, ou o personagem estar em um estado alterado como uso de substâncias (drogas), hipnotizado, amnésia, ou mesmo em estado normal sonhando.


As imagens-sonhos são imagens que se diferem das outras por escapar a consciência do homem, trazer à tela o pensamento primitivo e expressar de alguma forma o pensamento inconsciente. Tais imagens são muito recorrentes no cinema-subjetivo, reportam também a imagens-lembrança, que na situação sensório-motora projetam ao infinito, “substituindo a ação dos personagens por movimentos do mundo, e assegurando a metamorfose ou a anamorfose da situação” (André Parente, p. 103). Os cineastas do underground experimental também usavam da imagem-sonho em suas obras, como no filme de Deren Meshes of the afternoon. O próprio Deren afirma que seus filmes são criados de interferências da imaginação em forma de sonho.


Por último a terceira tendência do cinema experimental, nomeada por Deleuze como “cinema do corpo”. Tem como principais temas o cotidiano e as preparações humanas como cerimônias onde o filme contempla cada segundo decorrente da ação sem cortes. O tempo de duração do filme é exatamente o que o corpo (personagem) usa para iniciar, continuar e finalizar sua ação ou cerimônia. André menciona como boas obras que ilustram essa terceira tendência os ensaios de Warhol e seu filme “Sleep and Eat”, que consiste em observar por seis horas e trinta minutos um homem alimentando-se de cogumelos. A preparação de um casal em Mechanics of Love, de Maas e Moore, ou a preparação do prostituto em Flesh, de Warhol e Morrissey.


Diversos nomes de cineastas importantes na história do cinema tem sua contribuição para a terceira tendência, são eles Warhol, Morrisey, Agnes Varda, Chantal Ackerman, Marguerite Duras, Philippe Garrel, entre outros. Esta tendência é o resultado de uma mutação que afetou todo o cinema pós-guerra (não apenas no experimental), onde o corpo deixa de ser um elemento naturalizado. “Em todo o cinema, o corpo perde a sua naturalidade de corpo visto e faz ver o que não se deixa mostrar” (Parente, p. 105).

Em suas notas de rodapé, André complementa seu texto muito bem com referências e com algumas considerações, uma delas sobre uma variação de cinema que se encaixa na terceira tendência do experimental. O que Ropars Muilleumier chama de “cinema literário” condiz bem com o “cinema do corpo”. Um exemplo é o “cinema literário” empregado por Antonioni que ocorre da seguinte maneira: “passar o tempo sobre os seres segundo as diversas maneiras que os seres têm de passar o tempo” (André Parente, p. 109).


Texto de 2016


89 views0 comments

Recent Posts

See All
bottom of page